Internação de não idosos quadruplica no Rio Grande do Norte




Eleições, festas de final de ano (autorizadas pela Justiça ou clandestinas no litoral do Rio Grande do Norte), veraneio, carnaval (mesmo proibido, mas com aglomerações registradas em diversas cidades potiguares). A combinação desses fatores, aliado ao desuso da máscara e das demais medidas de contenção do novo coronavírus, provocaram o aumento da internação de pacientes cada vez mais jovens, e em estado mais grave, acometidos pela covid-19 nos hospitais públicos e privados no Estado. Conforme o Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN), os internamentos de pessoas com menos de 60 anos, os não idosos, quadruplicou nos primeiros meses deste ano em relação a dezembro do ano passado, saltando de 40 para 161 no período analisado.

“Em 25 de dezembro de 2020, os idosos ocupavam 98 leitos de internamento, contra 173 em 18 de março corrente. Entre os não idosos, os números evoluíram de 40 internados em 25 de dezembro passado, contra 161 no dia 18 de março deste ano, quadruplicando no período. Isso significa que a doença cresceu em números absolutos em todas as faixas etárias, porém de maneira mais expressiva entre os não idosos”, destaca estudo do LAIS/UFRN.

Em 2020, segundo o levantamento, a taxa de ocupação dos leitos por pacientes não idosos representava, em média, de 35% a 45% do total. Desde o final do ano passado, porém, esse índice passou a crescer e, em determinados dias, o total de jovens supera o índice de idosos internados em leitos críticos. Especialistas e infectologistas avaliam que os últimos meses de alta exposição dos jovens, impulsionados por festas de fim de ano e Carnaval, podem estar associados a essa mudança no perfil assistencial no RN.

“A população mais jovem é a que se expôs e se expõe mais. Estão mais ativos, a rotina de trabalho é mais intensa nessa faixa de idade. Mas também porque esses eventos recentes de carnaval, veraneio, festas de fim de ano, a exposição foi muito maior nessa faixa etária. Antigamente, com a primeira cepa do vírus, não tínhamos tantos casos graves, agora temos”, explica o epidemiologista e membro do comitê de especialistas do LAIS/UFRN, Ion de Andrade.

Segundo os dados, o ápice de ocupação entre idosos foi no dia 25 de dezembro de 2020, com 71% dos pacientes acima de 60 anos internados.

Atualmente, ocorre um equilíbrio entre idosos e não idosos, com cada um ocupando cerca de 50% dos leitos disponíveis. No dia 22 de março, os usuários abaixo de 60 anos ocupavam 51,18% dos leitos, sendo 174 em números absolutos, de um total de 372 leitos.

Na avaliação do epidemiologista Ion de Andrade, essa mudança de perfil pode estar associada a uma série de fatores. O primeiro delas seria o fato de que não idosos estariam naturalmente mais expostos no dia a dia em virtude da ida ao trabalho e utilização do transporte público, por exemplo. O outro fator seria uma superexposição de não idosos nos momentos anteriores à crise atual. Ion de Andrade associa ainda o fato de que o vírus pode ter se tornado mais patogênico, aumentando o poder de adoecimento de não idosos.

“Isso não significa que a Covid deixou de atingir idosos, significa que ela passou a atingir outras faixas etárias. É preocupante porque amplia a capacidade de danos da doença na população”, acrescenta Ion de Andrade.

Na terça-feira (23), três agentes de segurança que tinham menos de 60 anos faleceram de Covid 19. Um deles foi o policial militar Jurandir Pedro da Silva, de 49 anos. Ele estava na corporação desde 1992, e era lotado no 3º Batalhão, em Parnamirim. Os outros dois agentes eram bombeiros: o Francisco Fábio de Souza Silva, de 50 anos, na corporação desde 1997; e o sargento Raimundo Nonato de Andrade, de 54 anos, que estava há três décadas no Corpo de Bombeiros do RN.

Hospitalização

André Prudente, diretor do Hospital Giselda Trigueiro, atesta que o perfil de pacientes que têm dado entrada na unidade nos últimos meses é composto de pessoas mais jovens. Ele comenta que, em determinado momento da pandemia, os não idosos podem não ter dado a devida atenção à doença, por acharem que não iriam desenvolver sintomas graves.

“Percebemos isso há algumas semanas. Temos visto bem mais jovens se internando do que no passado, proporcionalmente. Antes eram predominantemente idosos e agora há certo equilíbrio. Em alguns momentos, há mais jovens do que idosos internados”, destaca.

“Havia a notícia difundida de que o jovem tinha a doença de forma leve, então eles passaram a ter menos medo e se expor mais. E os jovens estão mais no mercado também, e, consequentemente, estão também nos supermercados, comércio, de maneira geral”, completa. Ele aponta, ainda, que a vacinação nos idosos já pode estar trazendo um efeito imunizante à essa população que reflete no perfil de internações.

O número de mortes por Covid-19 entre pessoas abaixo de 60 anos representa um total de 28,7% do total, segundo o último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap). O Estado já registra 4.354 óbitos por covid, 19 deles confirmados nas últimas 24h.

“Uma coisa chocante, muito dolorosa”

A reforma da casa estava quase pronta, os móveis novos ainda estavam nas caixas, o automóvel tinha cheiro de novo. Ynajara Araújo, professora da rede pública de Educação do Rio Grande do Norte, tinha trabalhado quase metade da vida para realizar sonhos comuns à maioria dos aproximadamente 4 mil moradores da pequena cidade de Barcelona, no interior potiguar, e quando finalmente os realizou, a covid-19 tirou-lhe a vida. Aos 38 anos, Ynajara Andressa perdeu uma guerra cujo ataque não deu-lhe chance de reação. Em menos de uma semana após surgirem os primeiros sintomas da infecção pelo novo coronavírus, ela foi intubada e não resistiu ao avanço da doença.

“Na volta do trabalho, ela levou um banho de chuva. Ela disse quando chegou em casa: “A danada da sinusite vai me pegar!” Isso foi numa sexta-feira. Ela não teve febre, nada. Na segunda e terça, somente aquela dor na testa, comum da sinusite. Na quarta de manhã, ela se sentiu um pouco cansada e minha mãe foi com ela ao hospital aqui de Barcelona. Quando atenderam, perceberam que ela estava muito cansada e a colocaram no oxigênio e fizeram o teste rápido para a covid, mas não deu positivo. A médica pediu para ver a saturação e viu que estava baixa. Com isso, foi encaminhada para o Hospital Regional de São Paulo do Potengi (cidade vizinha com leito de UTI). Lá, quando viram que a saturação estava mais baixa, colheram sangue para um novo teste, que deu positivo. Ela já ficou internada”, relembra Yataanderson Felipe, irmão de Ynajara Araújo.

A professora era uma pessoa tida como saudável pela família. O agravamento da doença foi um choque. Da internação ao óbito foram aproximadamente seis horas, ocorrido no dia 16 de dezembro do ano passado. “Com o passar das horas, o quadro foi ficando pior. Ela foi ficando mais cansada e foi levada à UTI. Chegou a ser intubada. Por volta das 16h, ela morreu”, rememora, emocionado, o irmão que perdeu aquela que considerava ser sua melhor amiga.

Até hoje, a família de Ynajara Araújo não consegue explicar os sentimentos que envolvem a perda de alguém tão jovem e uma maneira abrupta para a covid-19. Além disso, a impossibilidade da despedida merecida tornou o adeus ainda mais doloroso e traumático.

“Tudo foi muito, muito chocante. A rapidez com que a doença levou ela e também a questão da gente não poder chegar perto, da gente não poder ver. Foi uma coisa muito chocante, muito dolorosa. Nós vimos o caixão de longe, sem poder entrar no cemitério. O caixão saiu do carro da funerária para o cemitério, direto. Não vimos nada além disso”, diz Yataanderson Araújo.

Três meses após a morte da irmã, ele afirma que busca seguir em frente, mas que não é fácil. “Um pedaço do meu coração foi junto com ela. Ave Maria! Nossa família, nossos amigos estão abalados até hoje. Os dias estão sendo dolorosos. A perda dela é uma dor sem explicação, imensurável. A cada dia que passa, o vazio aumenta”, lamenta. Para trás, Ynajara deixou sonhos ainda não realizados. “Ela nem chegou a ver o fim da reforma na casa, que era uma sonho”, descreve o irmão.

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